O domínio do Sistema Religioso

O domínio do Sistema Religioso

15 de dezembro de 2020 0 Por Roseli Pereira

Para entendermos o que é dominação não basta recorrermos ao seu significado, pois essa palavra está ligada a outras, como “força” e “autoridade”. 

Dominação é a imposição da vontade própria sobre outros, subjugando-os sem considerar suas vontades. O dominador costuma “passar como um trator” sobre quem resiste suas pretensões. Mas, a força utilizada para a dominação pode não estar relacionada à coerção física. Muitas pessoas são forçadas a fazer coisas em razão das circunstâncias ou por sofrerem algum tipo de pressão emocional, empregada de maneira bem sutil em alguns casos. Seja como for, o fato é que, normalmente, o dominador quer manter a pessoa dominada como refém, sujeita à sua vontade e às suas ordens.

Segundo a socióloga Neuza de Farias Araújo, “considerando que o poder reside na capacidade de fazer triunfar uma vontade, ele consiste em senso geral em uma possibilidade de dispor de mediações psíquicas dentro de meios presentes para obter qualquer objetivo”. Ou seja, o domínio pode ser exercido sem que o dominado perceba. A “vitima”, digamos assim, não nota que está sendo controlada e quando percebe, pode ser tarde demais, pois já se encontra em situação que não consegue mais reagir, mesmo que a reação seja uma possibilidade. O fato é que, ao pensar nos riscos potenciais e suas implicações, a “vítima” prefere aceitar calada o domínio, ainda que suas entranhas estejam clamando por libertação.

João de Deus

A título de ilustração, imagine, hipoteticamente, que alguns assistentes de confiança do João de Deus, o médium espírita de Abadiânia, tivessem descoberto os assédios sexuais praticados por ele antes das denúncias veiculadas na mídia.  Agora, imagine que João de Deus constantemente se dirigisse aos seus assistentes relatando a importância de seu trabalho, do modo como Deus tem usado sua vida, das milhares de pessoas curadas por suas intervenções espirituais, das centenas de famílias da cidade que vivem do comércio em torno de seu “hospital” e de como seria nefasto se alguém fizesse algo para prejudicar todo esse sistema em pleno funcionamento…  

Quem gostaria de assumir a responsabilidade por tamanho prejuízo?

Será que algum desses assistentes denunciaria seu patrão e líder espiritual?

Ou será que iria preferir fingir que não sabe de nada, que nunca percebeu nada, que não é responsável por nada, que o “bem” praticado por João de Deus é maior que suas atitudes “inconvenientes”?

Será que é melhor suportar esses “inconvenientes” do que colocar todos os benefícios de seu trabalho a perder?

Será que esses assistentes também não pensariam em seus próprios sustentos, já que vivem desse trabalho, o qual depende de João de Deus?

Será que não pensariam, inclusive, na possibilidade de uma represália, caso a polícia não aceitasse suas denúncias e desse mais crédito ao João de Deus do que em seus relatos?

Será que eles não terminariam como vilões da história, como pessoas más que tentaram macular a imagem de um homem bom e que, ainda, prejudicaram um grande número de pessoas?

Será que não pensariam que, de algum modo, Deus está naquele negócio, já que há diversas manifestações sobrenaturais incontestáveis ali e que, por isso, elas poderiam estar se voltando contra o próprio Deus?

Enfim, essas são as forças invisíveis que imobilizam a ação de muitas pessoas. Coisas semelhantes podem acontecer em qualquer sistema estabelecido, seja comercial, profissional, associativo, político, cultural, familiar ou mesmo religioso. Quanto mais envolvido alguém está, maiores serão as consequências em caso de se tentar romper com a dominação. Isso pode significar a própria segurança e estabilidade daqueles que decidem romper.

Por exemplo, um empregado de uma empresa, por exemplo, que denuncia a corrupção de seu patrão, no mínimo ficará sem emprego, não é mesmo? E quem pagará suas contas? Como ficarão seus filhos? Onde encontrará outra vaga de emprego disponível? Então, é melhor pensar bem…

E as mulheres? Como estão?

De modo semelhante, muitas mulheres aceitam grosserias, infidelidades, maus tratos e outras situações humilhantes porque têm receio das consequências, caso tentem confrontar ou até mesmo denunciar as injustiças praticadas por seus maridos dominadores, alguns violentos.

Você já pensou no prejuízo emocional, financeiro e familiar neste caso?

Até mesmo do ponto de vista religioso há um peso enorme sobre as mulheres. O sistema religioso as fará se sentirem culpadas. Isso porque elas aprenderam que são as responsáveis por não deixarem suas casas caírem em ruína (Pv 14:1), independentemente do comportamento de seus maridos, que, normalmente, são mais protegidos pelo sistema religioso, que favorece a ideia de domínio masculino (1 Co 11:3).

Por isso, muitas mulheres entendem que é melhor deixar as coisas como estão e seguir em frente como se tudo estivesse bem. Afinal, pensam que os “benefícios” de um casamento ruim ainda são maiores que as consequências que podem advir caso se levantem contra a dominação injusta. Assim, não são poucas as mulheres que preferem aceitar tudo caladas e às vezes se tornam coniventes com as injustiças praticadas por seus maridos. Isso mesmo! São coniventes todas as pessoas que fingem que não estão vendo e que ainda encobrem o mal praticado por outrem.

Fora da caixa!

Para quem acha que não pode nem mesmo pensar diferente do que estabeleceu a tradição, é bom lembrar que o próprio Jesus nos ensinou com suas palavras e exemplos que devemos fazer uma leitura espiritual das escrituras sagradas e tomar muito cuidado com as tradições ensinadas pelos líderes do sistema religioso. Pode parecer estranho para você, mas Jesus não fazia parte do sistema religioso de seu tempo e não estava preocupado com o que os líderes desse sistema pensavam a seu respeito ou como iriam se voltar contra ele. 

Afinal, Jesus não veio ao mundo para fortalecer e preservar o sistema religioso estabelecido sob as bases da vaidade e da dominação injusta.

Se Jesus estivesse preocupado em preservar as estruturas religiosas do seu tempo jamais teria ficado sozinho com a samaritana no poço de Jacó (Jo 4:27); não teria admitido em seu grupo a companhia de Maria Madalena (Lc 8:1-2); não teria estendido a conversa com uma mulher gentílica (Mt 15:21-28); e não teria defendido a mulher flagrada em adultério (Jo 8:3-11). Mas, como Jesus não estava comprometido com o sistema religioso, não teve medo de dizer, claramente, aos fariseus e mestres da Lei que eles valorizavam suas tradições em detrimento da própria vontade suprema de Deus.

Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens”. E disse-lhes: “Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira para pôr de lado os mandamentos de Deus, a fim de obedecer às suas tradições! (Marcos 7:8,9)

O exemplo do mestre

Vale lembrar que Jesus nunca constrangeu ninguém a segui-lo ou a permanecer com ele. Certa vez disse aos seus próprios discípulos que eles estavam livres para ficar com ele ou deixá-lo (Jo 6:66-68). Quando lhe disserem que outras pessoas estavam expulsando demônios em seu nome, mas não o seguia, não se incomodou com isso (Mc 9:38-40).

O fato é que toda forma de dominação de um homem sobre outro, seja pela força das armas, pelo poderio econômico, pela indução religiosa ou por qualquer outra forma de captura dos corpos e das mentes humanas, alinha-se à obra de Satanás.

Ao criar a raça humana, Deus disse que o domínio do homem se estenderia sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão (Gn 1:26), mas não se vê na gênese da criação uma autorização de Deus para que o homem dominasse sobre outro homem.

Com Satanás é diferente

Mas, com Satanás a história é outra. Vemos em Gênesis a história de Ninrode, que hoje sabemos ser um tipo do Anticristo. Ele era um exímio caçador e, ao estender sua influência sobre os demais homens da terra, logo quis dominar o mundo. 

No final dessa história, vemos a intervenção de Deus, que destruiu a Torre de Babel e confundiu as línguas para dispersar as pessoas e por fim àquela obra maligna.

Na sequência da história bíblica temos diversos outros exemplos de homens tiranos que chegaram a dominar inclusive sobre o povo de Deus, a exemplo dos Faraós do Egito, de Nabucodonosor e dos Césares de Roma. 

Mas, notamos que isso sempre desagradou ao Criador que, além das conhecidas intervenções realizadas no passado contra esse tipo de dominação, nos deixou profecias apocalípticas de que tais pretensões injustas um dia chegarão ao fim (Ap. 19:17-21).

Enquanto esse fim não chega, vamos assistindo a diversas histórias de dominação injusta sobre homens e mulheres, inclusive no sistema religioso. Sugiro a leitura da matéria sobre o “Novo escândalo: papa admite que padres impuseram escravidão sexual a freiras”.

Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!

Vamos acordar! O governo e a autoridade pertencem a Deus!

Embora o desejo de domínio humano seja inato, ele deve dar lugar à sujeição ao soberano Deus, que tem todo poder e autoridade. Vale lembrar que o soberano Senhor do céu e da terra não exerce domínio injusto sobre os homens. Embora Deus possa usar pontualmente quem Ele quiser para realizar seus desígnios, Ele não força o homem a servi-lo. Ao contrário, deu a todos os homens o livre arbítrio. Ora, livre arbítrio só faz sentido se formos livres.

Se entendermos isso, seremos capazes de diferenciar a Igreja de Jesus Cristo do sistema religioso, assim como externou o Pastor Sólon no artigo que escreveu sobre “O Sistema Religioso”, onde ousou denunciar o sistema religioso do nosso tempo, cujo domínio faz parte de suas bases doutrinárias, ao passo que se afasta da essência do Cristianismo, que é a mutualidade.

“Uns aos outros”

– Sujeitem-se uns aos outros (Ef 5:21)

– Amem-se uns aos outros (Jo 13:34, 35; 15:12, 17; 1 Jo 3:11; 4:11; 1 Pe 4:8)

– Suportem-se uns aos outros (Cl 3:13; Ef 4:2; Gl 5:15; Tg 5:9)

– Perdoem-se uns aos outros (Mt 6:14, 15; Cl 3:13; Ef 4:32)

Esta deve ser a característica dominante!

– Esperem uns pelos outros (1 Co 11:33)

– Consideremo-nos uns aos outros (Hb 10:24)

– Dediquem-se uns aos outros (Rm 12:10)

– Tratem uns aos outros com justiça (Jr 7:5)

– Partilhem uns com os outros (Lc 22:17)

– Levem os fardos pesados uns dos outros (Gl 6:2)

– Vivam em paz uns com os outros (1 Ts 5:13)

– Saúdem uns aos outros com beijo de santo amor (1 Pe 5:14; Rm 16:16; 1 Co 16:20)

– Tenham igual cuidado uns pelos outros (1 Co 12:25)

– Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros (Ef 4:32; 1 Ts 5:15)

O exemplo do Mestre

– Consolem-se uns aos outros (1 Ts 4:18)

– Não enganem uns aos outros. (Cl 3:9; Lv 19:11; Zc 7:10)

– Confessem os seus pecados uns aos outros (Tg 5:16)

– Orem uns pelos outros (Tg 5:16)

– Edifiquem-se uns aos outros (1 Ts 5:11)

Por: Roseli Pereira