Clamor pelo Sangue de Jesus

Clamor pelo Sangue de Jesus

15 de dezembro de 2020 0 Por Sólon Pereira

O “clamor pelo sangue de Jesus faz parte do conjunto de doutrinas criadas pela Igreja Cristã Maranata (ICM).

Apesar de ser uma das primeiras doutrinas que um novo membro aprende quando ingressa na ICM, curiosamente, as apostilas de seus seminários não tratam desta matéria. Provavelmente, porque temem a exposição, já que sabem que essa doutrina certamente seria rechaçada no meio evangélico, colocando-a sob suspeita de praticar heresias.

Mas, como no passado eu dei aulas na igreja sobre essa matéria, vou apresentar aqui alguns argumentos bíblicos que tentam sustentar essa prática, bem como as razões pelas quais elas não são capazes de elevá-la ao status de doutrina bíblica.

O clamor pelo sangue de Jesus na prática diária da ICM

O clamor pelo sangue de Jesus é praticado diariamente na Igreja Cristã Maranata. É utilizado, necessariamente, antes das orações dirigidas a Deus no início de suas reuniões e em todas as orações em que se pretenda “consultar a Deus”. Neste caso, se uma oração não for precedida pela expressão “clamamos pelo sangue de Jesus”, ou equivalente, entende-se que a oração não pode ser recebida por Deus e, conseqüentemente, a consulta bíblica é considerada inválida.

Mesmo antes de estudarmos os fundamentos bíblicos sobre o assunto, já podemos observar que, se admitirmos esse ensinamento e prática da ICM como uma doutrina bíblica, teremos que concluir que todas as orações da igreja desde o seu nascedouro estavam, em parte, equivocadas.

Partindo dessa lógica, a Assembléia de Deus, que é conhecida como uma igreja dada à oração, durante os seus 100 anos de existência não foi (e ainda não é) ouvida por Deus quando seus membros se reúnem e fazem suas orações sem clamar pelo sangue de Jesus. De igual modo, podemos dizer que a Igreja Batista e todas as outras denominações evangélicas também não são ouvidas por Deus.

Assim, por esse raciocínio inicial, qualquer leigo pode, desde logo, pensar: a igreja e todas as suas denominações ficaram sem acessar Deus ao longo de 2.000 anos até o momento em que surgiu a ICM há, aproximadamente, 40 anos? Isso é razoável? Isso faz sentido, espiritualmente falando?

Evidentemente, não! Chega a ser difícil de compreender como se pode afirmar que um grupo de pessoas só alcançará remissão de pecados e acessará a presença de Deus (comunhão) se apresentar em suas orações um literal “clamamos pelo sangue de Jesus”.

O problema não está em se repetir essa expressão diariamente, mas em fazer as pessoas acreditarem que somente assim alguém pode ser perdoado e alcançar comunhão com Deus. Qualquer crente de outra denominação sabe que isso não é verdade, pois independentemente do formal “clamamos pelo sangue de Jesus”, sempre que há arrependimento de pecados, confissão e pedido de perdão o “sangue de Jesus” (sacrifício) atua automaticamente, pois Deus é fiel para perdoar os pecados e purificar o homem de toda injustiça, levando em conta o sacrifício de seu filho e não o ato litúrgico do clamor. É isso que veremos neste estudo!

Clamor: o que significa?

Apenas a título de curiosidade, iniciaremos este estudo verificando o significado bíblico do verbo “clamar”, segundo os termos originais postos nas escrituras sagradas?

Para tanto, é preciso esclarecer que “clamor” não é necessariamente uma oração! “Clamor” não é necessariamente um pedido!

“Clamor” é o modo de se expressar e não o conteúdo que se pretende expressar.

Vejamos, a seguir a significação do verbo clamar e de suas formas verbais no Velho Testamento.

O clamor no Velho Testamento

Clamar no hebraico transliterado – tsã’aq: significa chorar, clamar, chamar – expressando aflição.

O verbo “clamar”, em hebraico, é encontrado em torno de 55 vezes no Antigo Testamento e ocorre pela primeira vez quando Deus diz que o sangue de Abel clamou a Ele desde a terra.

“E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim.” (Gênesis 4:10 RA)

Por ser um verbo que expressa aflição, clamar a Deus, revela uma atitude de pedido por socorro, um grito que procede da alma e se transpõe para o exterior do homem de modo a revelar forte comoção:

E, chegando Faraó, os filhos de Israel levantaram os olhos, e eis que os egípcios vinham atrás deles, e temeram muito; então, os filhos de Israel clamaram ao SENHOR.” (Êxodo 14:10 RA)

22 A nenhuma viúva nem órfão afligireis. 23  Se de algum modo os afligirdes, e eles clamarem a mim, eu lhes ouvirei o clamor;” (Êxodo 22:22-23 RA)

Na minha angústia, invoquei o SENHOR, clamei a meu Deus; ele, do seu templo, ouviu a minha voz, e o meu clamor chegou aos seus ouvidos.” (2 Samuel 22:7 RA)

Anda chorando Judá, as suas portas estão abandonadas e, de luto, se curvam até ao chão; e o clamor de Jerusalém vai subindo.” (Jeremias 14:2 RA)

Então, clamou Moisés ao SENHOR: Que farei a este povo? Só lhe resta apedrejar-me.” (Êxodo 17:4 RA)

Sansão clamou ao SENHOR e disse: SENHOR Deus, peço-te que te lembres de mim, e dá-me força só esta vez, ó Deus, para que me vingue dos filisteus, ao menos por um dos meus olhos.” (Juízes 16:28 RA)

Mas, há algumas outras formas verbais em que encontramos esse termo no Velho Testamento e que merece ser comentado.

No Velho Testamento há a utilização do verbo “clamar” em situação que nem mesmo se refere a oração, mas a um estado de pecado, senão vejamos:

Disse mais o SENHOR: Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito.” (Gênesis 18:20 RA)

Também, há situações em que o clamor revela o modo em que uma pessoa ou um grupo se manifesta diante de alguém ou simplesmente mostra desespero que não é dirigido a ninguém especificamente:

Sentindo toda a terra do Egito a fome, clamou o povo a Faraó por pão; e Faraó dizia a todos os egípcios: Ide a José; o que ele vos disser fazei.” (Gênesis 41:55 RA)

Quando soube Mordecai tudo quanto se havia passado, rasgou as suas vestes, e se cobriu de pano de saco e de cinza, e, saindo pela cidade, clamou com grande e amargo clamor;” (Ester 4:1 RA)

Por fim, deve-se registrar que um clamor, no sentido de “gritar”, também pode ser encontrado em manifestações de exultação e júbilo por uma grande alegria ou vitória, senão vejamos:

39  Zadoque, o sacerdote, tomou do tabernáculo o chifre do azeite e ungiu a Salomão; tocaram a trombeta, e todo o povo exclamou: Viva o rei Salomão! 40  Após ele, subiu todo o povo, tocando gaitas e alegrando-se com grande alegria, de maneira que, com o seu clamor, parecia fender-se a terra.” (1 Reis 1:39-40 RA)

O termo clamar tem sentido de expressar grande sofrimento, aflição ou alegria e isso de modo intenso e impetuoso, aos gritos ou brados. “Clamor” não é uma oração em si, mas um modo de se comunicar uma grande dor ou uma grande alegria – um modo que revela o estado de aflição ou de exultação do homem.

O dicionário VINE, ao apresentar as significações para o verbo “clamar”, no original hebraico, afirma que esse termo revela um modo de se expressar, senão vejamos:

A palavra implica “grito” de angústia (1 Sm 4:13), “exclamação” de horror (1 Sm 5:10) ou “clamor” de tristeza (2 Sm 13:19).

O que é importante destacar é o fato de que o termo “clamor” não é uma oração em si, mas um modo de se comunicar uma grande dor ou uma grande alegria – um modo que revela o estado de aflição ou de exultação do homem.

Se pronunciamos a expressão: “Pai, ouve a minha súplica” de modo suave, tranqüilo, sem comoção e em tom de voz normal, isso não é um clamor, mas somente uma oração.

Diferentemente, se pronunciarmos essa mesma expressão aos gritos de desespero, isso é um clamor: “Pai, ouve a minha súplica! Ora, se alguém se dirige a Deus gritando por socorro ou chorando, literalmente, pode-se dizer que uma oração foi feita por meio de um clamor.

Logo, não é o conteúdo que define o verbo “clamar”, mas o modo como se expressa esse conteúdo.

O clamor no Novo Testamento

Clamar, no Grego transliterado – krauge (kpauyñ): é uma palavra onomatopaica, imitando o grito do corvo, cuja raiz é a mesma de krazõ e kraugazõ (chorar) e seu sentido é de “bradar”, “gritar” (VINE).

Ao compararmos as versões bíblicas “revista e corrigida” e “revista e atualizada”, vemos que o texto de Atos, capítulo 23, verso 9, na versão corrigida traz o termo “clamor” que, na versão atualizada, o indica como “grande vozeria”, senão vejamos:

“Houve, pois, grande vozearia. E, levantando-se alguns escribas da parte dos fariseus, contendiam, dizendo: Não achamos neste homem mal algum; e será que algum espírito ou anjo lhe tenha falado?” (Atos 23:9 RA)

“E originou-se um grande clamor; e, levantando-se os escribas da parte dos fariseus, contendiam, dizendo: Nenhum mal achamos neste homem, e se algum espírito ou anjo lhe falou, não resistamos a Deus.” (Atos 23:9 RC)

As diferenças entre as versões apenas corroboram com a afirmação de que o termo clamor representa, de fato, um modo de se expressar: impetuoso, aos prantos ou em alta voz como num grito de aflição, de desespero, de dor ou mesmo de ordem veemente.

Do exame do Novo Testamento concluímos, também, que o clamor pode ser dirigido a Deus ou aos homens, visto que não é sinônimo de oração. Vejamos, a seguir, algumas passagens do Novo Testamento que nos mostram, nas versões “corrigida” e “atualizada”, o que acabamos de afirmar:

Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me.” (Mateus 14:30 RC)

Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a submergir, gritou: Salva-me, Senhor!” (Mateus 14:30 RA)

 “Mas ele, pegando-lhe na mão, clamou, dizendo: Levanta-te, menina!” (Lucas 8:54 RC)

Entretanto, ele, tomando-a pela mão, disse-lhe, em voz alta: Menina, levanta-te!” (Lucas 8:54 RA)

 “38 E eis que um homem da multidão clamou, dizendo, Mestre, peço-te que olhes para meu filho, porque é o único que eu tenho. 39  Eis que um espírito o toma, e de repente clama, e o despedaça até espumar; e só o larga depois de o ter quebrantado.” (Lucas 9:38-39 RC)

38 E eis que, dentre a multidão, surgiu um homem, dizendo em alta voz: Mestre, suplico-te que vejas meu filho, porque é o único; 39  um espírito se apodera dele, e, de repente, o menino grita, e o espírito o atira por terra, convulsiona-o até espumar; e dificilmente o deixa, depois de o ter quebrantado.” (Lucas 9:38-39 RA)

Mas Paulo clamou com grande voz, dizendo: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos.” (Atos 16:28 RC)

Mas Paulo bradou em alta voz: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos!” (Atos 16:28 RA)

e clamou com grande voz, como quando brama o leão; e, havendo clamado, os sete trovões fizeram soar as suas vozes.” (Apocalipse 10:3 RC)

e bradou em grande voz, como ruge um leão, e, quando bradou, desferiram os sete trovões as suas próprias vozes.” (Apocalipse 10:3 RA)

Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade”,” (Hebreus 5:7 RA)

Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto; era Raquel chorando os seus filhos e não querendo ser consolada, porque já não existiam.” (Mateus 2:18 RC)

Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto, choro e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem.” (Mateus 2:18 RA)

Como vimos, de modo semelhante ao Velho Testamento, o termo “clamor” no Novo Testamento é utilizado para mostrar o estado de espírito da pessoa que clama a Deus ou a outrem e não para dar conteúdo a uma oração.

Clamor não é, em si mesmo, uma súplica e nem mesmo uma oração. Disso, também, conclui-se que dizer que “clamamos”, no início de uma oração, não faz de nossa oração um clamor, pois um clamor exige uma atitude de exultação de espírito ou uma expressão de angústia ou aflição.

Por essas considerações iniciais, já podemos perceber que o termo “clamor pelo sangue de Jesus”, do modo como é utilizado na ICM, revela uma inadequação linguística, uma vez que a maioria das orações feitas naquela igreja não revelam nem exultação nem aflição. São simplesmente orações, grande parte das vezes destituídas de qualquer emoção.

O poder do sangue de Jesus x o poder do nome de Jesus

O erro de uns não justifica o erro de outros. Dizer que “muita gente boa” está errando não justifica nem diminui o meu erro.

O fato de muitos crentes invocarem o poder do sangue de Jesus não faz dele o que ele não é e não me justifica se eu fizer o mesmo. Por isso, vamos ver se o poder que podemos exercer contra as trevas está no “sangue” ou no “nome” de Jesus, a fim de que não venhamos a ser envergonhados.

Talvez, muitas pessoas façam algumas coisas por imitação, sem a compreensão exata do que está fazendo, mas para que não venhamos a culpar a mais ninguém pelos nossos erros, não devemos fazer ou deixar de fazer algo porque outros fazem ou não fazem o mesmo. É mais sábio e mais prudente apoiarmos as nossas práticas religiosas na palavra de Deus e não em experiências pessoais de alguns crentes, às vezes até muito espirituais e bem sucedidos.

Por isso, é preciso asseverar que não há na bíblia qualquer indicação de invocação do poder do sangue de Jesus, seja em que situação de perigo for.

Sim, sabemos que muitos têm essa prática, mas ela é relativamente nova e, provavelmente, adveio de experiências pessoais. O fato é que essa prática não encontra apoio nas escrituras sagradas e pode retirar de nós a oportunidade de utilizarmos os recursos corretos para alcançarmos um livramento da parte de Deus, a exemplo de uma doença maligna que pode ser repreendida pela invocação do nome de Jesus.

Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas;” (Marcos 16:17 RA)

Sobre a confusão que se faz entre o poder do “nome de Jesus” e do “sangue de Jesus” sabemos que o leitor pode pensar: “que mal há em se invocar o poder do sangue de Jesus?” Realmente, aparentemente, não há nenhum mal. Entretanto, tal prática pode impedir o bem que se deveria operar. E isso não é bom!

Afinal, a quem interessa que o crente deixe de utilizar o nome de Jesus e passe a invocar o poder do sangue de Jesus contra perigos e hostes malignas? Ora, na medida em que o sangue de Jesus é meio de purificação e comunhão do homem e não de invocação de poder para reprimir as obras das trevas, ao fazermos essa confusão, corremos o risco de sermos envergonhados diante das obras malignas do Diabo. Afinal, invocar o “sangue de Jesus” não adianta quando se está diante de um endemoninhado.

Apenas a título de curiosidade, note-se que, ao orarmos, nós não encerramos a oração dizendo: “pelo poder do sangue de Jesus”. Por que? Simplesmente porque Jesus nos ensinou a orarmos ao Pai em seu nome: “em nome de Jesus”. Ora, não podemos mudar isso, por mais que gostemos da idéia de um “sangue que é poderoso”.

Ao passo que a bíblia não nos ensina a invocar o “poder do sangue de Jesus”, ela nos instrui, claramente sobre o poder do “nome de Jesus” e nos dá o direito de usá-lo como invocação dessa autoridade.

O evangelho de Mateus relata que, pouco antes de Jesus subir para o Pai, disse o seguinte:

Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.” (Mateus 28:18 RA)

E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra.” (Mateus 28:18 RC)

O evangelho de Marcos, ao se referir a este mesmo momento, relata que Jesus ordenou aos seus discípulos que saíssem pelo mundo pregando o evangelho e, para lhes assegurar a vitória, delegou-lhes a sua autoridade e poder pelo uso de “seu nome”, senão vejamos:

15 E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. 16  Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado. 17  Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas; 18  pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados. 19 De fato, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus.” (Marcos 16:15-19 RA)

Como visto, Jesus declara possuir todo poder no céu e na terra e, em seguida, delega esse poder e autoridade aos seus discípulos para deter as trevas e para curar doentes. Tudo isso, entretanto, com a menção de seu nome, já que Ele (Jesus) é a fonte de toda autoridade e poder que nos foram delegados. Desse modo, fazendo menção ao seu nome, estamos dizendo aos espíritos das trevas e às doenças causadas por eles que os estamos repreendendo por ordem do detentor de toda autoridade e poder. Não fazemos nada em nosso próprio nome, pois nenhum poder temos em nós mesmos. Isso, sim, é ser submisso ao soberano Deus e fazer apenas o que Ele nos manda.

Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer.” (Lucas 17:10 RA)

Isso é muito importante: o mínimo que Deus espera de nós é que façamos o que Ele nos mandou fazer e do modo como nos foi ordenado. Fazer outra coisa que não seja o que nos foi ordenada e deixar de fazer o que é a nossa obrigação é pretender alcançar êxito por nossos próprios méritos, o que é muito perigoso. Acrescentar métodos inovadores, não amparados pela palavra de Deus, à nossa prática religiosa só satisfaz a Satanás, que se aproveita de heresias para inverter a ordem deixada por Jesus. Assim, o principal e eficaz é substituído pelo irrelevante e inócuo.

Quando se substitui o “poder do nome de Jesus” pelo “poder do sangue de Jesus”, o “ordenado” é substituído pelo “não ordenado”. E se, ao invés de fazermos o que nos foi ordenado, fazemos o que não nos foi ordenado, como esperar a operação de Deus?

Também, é relevante destacar que, no momento em que Jesus mandou seus discípulos exercerem autoridade sobre as trevas em seu nome, Ele já tinha derramado seu sangue em sacrifício. Naquele instante Ele já poderia, se fosse o caso, ter orientado seus discípulos quanto ao “poder do seu sangue”, ao invés de instruí-los quanto ao poder do seu nome.

E por que Jesus, após sua ressurreição, ao dar as últimas instruções aos seus discípulos antes de subir ao céu, não ensinou a seus discípulos sobre o “poder de seu sangue”?

Simples: porque isso não era para ser ensinado. Nem por Ele, nem por Paulo e nem por qualquer outro apóstolo. Se fosse para ser ensinado, Ele o teria feito, do mesmo modo como ensinou a usar SEU NOME.

O sangue de Jesus

Neste tópico, pretendemos considerar a importância dos ensinamentos bíblicos sobre o “sangue de Jesus”, mas com o cuidado de mantê-lo estritamente em sua função bíblica.

Vamos iniciar com o seguinte texto de Hebreus:

Com efeito, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e, sem derramamento de sangue, não há remissão.” (Hebreus 9:22 RA)

É difícil imaginar que um crente em Jesus não tenha compreendido que o perdão de pecados deve-se ao sacrifício de Jesus, que se ofereceu como expiação pelo pecado do mundo (1 João 1:9-2:2), alcançando, evidentemente, todo aquele que se arrepende de seus pecados, confessando-os, deixando-os e, assim, aceitando a Jesus como Senhor e Salvador.

Desde o Velho Testamento, a exigência da lei para o perdão de pecados e para a purificação era um ritual que envolvia o sacrifício de um cordeiro, cujo sangue era levado à presença de Deus, no santíssimo lugar, como prova da morte do animal que havia sido sacrificado no lugar do pecador, substituindo-o. O ritual implicava na transferência do pecado do pecador para a vítima inocente que seria imolada, uma vez que havia, desde o Éden, uma sentença de morte decretada para o pecador. Assim, quando o animal morria, levava consigo o pecado e deixava o homem livre da sentença que pesava sobre ele, salvando-o da morte.

Todo esse ritual levítico apontava, entretanto, para um sacrifício perfeito, que não haveria de se repetir anualmente.

Ao escritor da carta aos Hebreus, portanto, restou a difícil missão de fazer com que os judeus percebessem que a velha aliança havia sido substituída por uma nova. Para tanto, o autor fez detalhado estudo para relacionar o sacerdócio e os sacrifícios realizados por ordenança da Lei de Moisés ao sacerdócio de Cristo e ao sacrifício do “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.

O autor trata da inferioridade dos sacrifícios de animais em Hebreus 10, mas no capítulo 9 começa a lançar os alicerces para essa discussão. Entre outras coisas, lembrou que o sumo sacerdote levava anualmente o sangue de um animal para o Santo dos Santos, mas Jesus Cristo ofereceu a si mesmo na presença de Deus como sacrifício uma só vez. Também, deixou claro que os sacrifícios de animais não poderiam jamais pagar o preço da “eterna redenção”. O sangue de animais somente cobria o pecado até que o sangue de Cristo “tirasse o pecado do mundo” (Jo 1:9).

Hoje, ao estudarmos o livro de Hebreus, aprendemos que o nosso perdão e, consequentemente, nosso acesso ao Senhor se deve ao sacrifício do “cordeiro de Deus” (Jesus), sendo Ele o próprio Sumo Sacerdote, já que Ele ofereceu a si mesmo. Sim, o acesso ao Senhor depende do sacrifício de Jesus, já que ninguém pode se achegar a Deus sem estar purificado, uma vez que a própria palavra nos ensina que “sem santificação ninguém verá a Deus”.

Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor,” (Hebreus 12:14 RA)

Por essa razão, o escritor da carta aos Hebreus afirma que o “novo e vivo caminho” de acesso a Deus é o sangue de Jesus. O nosso Senhor Jesus já abriu o caminho que nos leva à comunhão com o santíssimo Deus quando derramou o seu sangue e rasgou o véu do santuário, findando a necessidade de se imolar animais, tal como se fazia para o cumprimento da lei.

Todo o ensinamento sobre o sacrifício de Jesus e sobre o seu sangue derramado nada tem a ver com nossas orações diárias, mas sim com nossa vida diária, com a disposição de nossos corações.

A partir do momento em que o véu se rasgou, podemos ter a intrepidez de entrar no santíssimo lugar, pois o acesso nos foi franqueado pelo sacrifício de Jesus, representado por seu sangue:

19 Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus [seu sacrifício], 20  pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, 21  e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, 22  aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura.” (Hebreus 10:19-22 RA)

É bom que se observe que o texto acima nos diz que temos intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus (entre vírgulas), ou seja, porque Jesus já morreu, derramou seu sangue e o véu já se rasgou. O texto não diz que temos intrepidez para entrar no Santo dos Santos “clamando pelo sangue de Jesus” em nossas orações. Até porque já vimos que o termo “clamor” na bíblia é utilizada em sentido diferente. Não há necessidade de desespero ou aflição todas as vezes que pretendemos alcançar perdão: basta arrepender, confessar e pedir.

Não há na bíblia nada que possa ser chamado de “doutrina” sobre o modo que devemos orar para ter acesso a Deus, mas sim sobre a posição de nossos corações (“aproximemo-nos com sincero coração”). Foi assim desde a igreja primitiva, a exemplo da passagem de Cornélio (At 10:1-4) e é assim até hoje. Basta crermos.

Até aqui, já podemos perceber que o sacrifício realizado por Jesus nos garante perdão, salvação e comunhão com Deus, independentemente de pronunciarmos a expressão “clamamos pelo sangue de Jesus”, pois isso nunca foi exigido por Jesus, nem por Paulo e nem pelo escritor da carta aos Hebreus.

Se observarmos o ritual da lei, podemos notar que o sangue servia para atestar a morte do animal. Quando o sumo sacerdote chegava ao santíssimo lugar ele levava a prova de que o animal havia sido sacrificado – o sangue. De igual modo, quando o sangue era aspergido sobre o altar ou sobre os utensílios que se queria purificar, tal ato representava que a purificação advinha do sacrifício de um animal.

O sangue não tinha nenhum valor em si mesmo, visto que apenas demonstrava um outro elemento fático – a morte de um animal inocente. O valor do sangue estava no fato de ser uma prova da morte do animal sacrificado no lugar do pecador.

Mas, isso passou! Ficou para trás! O ritual foi substituído por um novo e vivo caminho! A partir do sacrifício de Jesus, o ritual e as práticas repetitivas perderam o sentido, dando lugar a outra realidade.

Mas, para que, sem medo, deixemos para trás um ritual que apenas era a representação de uma realidade futura, temos que nos ater à essência do texto de Hebreus, especialmente dos versos 19 e 20. Ora, o que nos garante o perdão, a salvação e o acesso a Deus (comunhão) não é o sangue em si, mas o sacrifício de Jesus. O sangue é apenas a representação de que o sacrifício foi realizado.

O que importa para Deus não é a prova que Jesus morreu, pois disso Ele já sabe. A Deus interessa saber sobre os nossos corações: se temos consciência de nossos pecados; se estamos sinceramente arrependidos; se somos “réus confessos”; e se compreendemos que o perdão nos foi concedido porque lançamos sobre Jesus os nossos pecados que, por substituição, morreu em nosso lugar, expiando a nossa culpa.

Quando o texto de Hebreus diz que entramos no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus ele está dizendo que só entramos na presença de Deus porque Jesus morreu em nosso lugar, derramando o seu sangue para nos conceder o perdão e a purificação necessária a esse acesso ao lugar onde o pecador não pode estar.

O escritor de Hebreus está nos ensinando a nos desligarmos dos rituais e não criando um novo ritual. Ele afasta o ritual e apresenta um novo e vivo caminho que depende da consciência e não de rituais. Vejamos, então, como deve se dá a aproximação do homem a Deus desde que Jesus morreu, uma só vez, de modo expiatório:

aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de , tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura.” (Hebreus 10:22 RA)

Os ingredientes são: fé, coração sincero e purificado de má consciência. Não adianta pronunciar ritualisticamente uma “expressão mágica”. Isso não garante o perdão e nem o acesso a Deus. O que nos introduz na presença do Senhor é um coração purificado da má consciência, arrependido e despojado da vaidade que impede a confissão do pecado.

De nada adianta invocar o sangue de Jesus se não nos arrependemos e se não confessamos os nossos pecados. A purificação da culpa, que nos dá condições de nos apresentarmos a Deus implica na consciência do sacrifício expiatório de Jesus e não simplesmente na pronúncia ritualística de uma expressão que sequer foi orientada pela palavra de Deus.

O ato sacrificial do Filho de Deus interrompeu o ritual da lei, dando lugar à liberdade de se entrar e de se permanecer na presença de Deus com um coração purificado da má consciência do pecado. O véu já foi rasgado e retirado da nossa face. O caminho de acesso a Deus já nos foi aberto.

É fato que se não fosse o sacrifício de Jesus, que derramou o seu sangue, os rituais deveriam prosseguir continuamente, ano após ano. Mas, o ato sacrificial do Filho de Deus interrompeu o ritual, dando lugar à liberdade de se entrar e de se permanecer na presença de Deus com um coração purificado da má consciência do pecado. Uma vez que já entendemos e aceitamos a morte expiatória de Jesus, o véu já foi rasgado e retirado da nossa face. O caminho de acesso a Deus já nos foi aberto. Porém, ninguém deve pretender entrar ou ficar na presença de Deus com um coração carregado de imundícies provenientes de pecados sem arrependimento. Quem vive em pecado e não se arrepende está nas trevas e não na luz.

Todo esse ensinamento sobre o sacrifício de Jesus e sobre o seu sangue derramado nada tem a ver com nossas orações diárias, mas sim com nossa vida diária. Não é a menção ao sangue de Jesus que nos dá acesso a Deus, mas a consciência de que um preço já foi pago e um caminho novo nos foi aberto, sendo que só nos resta arrepender e confessar os nossos pecados para que possamos entrar na presença de Deus.

9 Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. 10 Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. 2:1 Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; 2  e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.” (1 João 1:9-2:2 RA)

É importante observar que a condição para o perdão, para a purificação e, consequentemente, para se estar em condições de trilhar, com intrepidez, o novo caminho aberto na cruz em direção ao Santo dos Santos é a confissão de pecados, que implica em anterior arrependimento.

Assim, entramos na presença de Deus, mas para lá permanecermos temos que observar mais um trecho da primeira carta de João, conforme segue:

 “5 Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. 6  Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7  Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. 8 Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. 9  Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1 João 1:5-9 RA)

Na passagem transcrita, João está tratando com pessoas que já são salvas, que já acessaram a presença de Deus em algum momento de suas vidas e, portanto, foram remidas pelo sacrifício de Jesus, o que normalmente chamamos de “lavados no sangue de Jesus”.

Esses tais deveriam andar na luz sem nenhuma comunicação com as obras das trevas para permanecerem na presença do Senhor. João diz que se alguém anda nas trevas é porque não está na luz. E esses que vivem nas trevas, ocultando seus pecados (sem arrependimento), mesmo que sejam crentes em Jesus, não alcançam o perdão, já que a condição do perdão é arrependimento e confissão. Sem isso, o sacrifício de Jesus, representado pelo seu sangue, não pode operar na vida do pecador.

Ora, a eficácia do sangue de Jesus (do sacrifício realizado), só opera na vida de quem vive na luz, pois na claridade nenhum pecado fica escondido. Os que realmente vivem na luz são aqueles que reconhecem seus pecados e se arrependem de tê-los cometido, desejando nunca mais repeti-los. Uma vez que os pecados de quem vive na luz são expostos por meio da confissão e do arrependimento, o sangue de Jesus (sacrifício) é eficaz para produzir o perdão e a purificação.

O que o homem tem que fazer não é clamar pelo sangue de Jesus, mas reconhecer seus pecados com arrependimento e clamar por perdão. Neste caso, a eficácia do sangue de Jesus é automática, pois Deus disse que é fiel para perdoar o pecado e purificar de toda a injustiça.

Esta é, portanto, a condição para que o homem permaneça na presença de um Deus santo: um viver santo. E isso não está relacionado a uma prática de se invocar o sangue de Jesus, mas de se andar na luz. O que o homem tem que fazer não é clamar pelo sangue de Jesus, mas reconhecer seus pecados com arrependimento e clamar por perdão. Nesses casos, independentemente do formal “clamamos pelo sangue de Jesus”, o “sangue de Jesus” (sacrifício) atua automaticamente, pois Deus é fiel para perdoar os pecados e purificar o homem de toda injustiça, levando em conta o sacrifício de seu filho e não o ato litúrgico do clamor.

Curiosidade

Há quem diga que quando se clama pelo sangue de Jesus se está a clamar pela sua vida ou pelo seu Espírito, mas isso não tem qualquer fundamento bíblico expresso, justificando-se apenas com base em interpretações criativas, onde tudo é possível com um pouco de imaginação.

Ora, se Deus quisesse que clamássemos pela “vida” ou pelo “Espírito de Jesus” por que não nos disse isso claramente? Por que Deus iria dizer uma coisa querendo dizer outra? Por que Jesus não explicou isso aos seus discípulos, do mesmo modo como ensinou a orar “em seu nome”?

Enfim, para nós que queremos estar bem firmados na palavra de Deus, devemos evitar nos conduzir por doutrinas que não estejam expressamente delimitadas nas escrituras sagradas, sob pena de construirmos heresias sem fim.

O “clamor pelo sangue de Jesus” é uma doutrina bíblica?

Após notarmos a importância do sangue de Jesus e colocá-lo em seu devido lugar, passamos a avaliar se na prática diária de nossas orações devemos incluir a expressão formal “clamamos pelo sangue de Jesus” para que possamos ser purificados e recebidos na presença de Deus.

De pronto, pode-se afirmar que não há na bíblia qualquer referência direta a essa prática. As orações praticadas tanto no Velho como no Novo Testamento não se apresentam como atos litúrgicos envolvendo frases prontas para a repetição.

Partindo dessa primeira observação, passaremos a tecer algumas considerações sobre a razoabilidade de se incluir a prática do “clamor pelo sangue de Jesus” entre as doutrinas bíblicas reconhecidas pelo meio evangélico.

O importante e o essencial estão claramente registrados na Bíblia

O Senhor Deus, por meio de seus apóstolos, orientou a igreja quanto às coisas importantes e essenciais que deveriam ser praticadas e não incluiu que se clamasse pelo sangue de Jesus antes de um culto, de uma reunião ou de uma oração. Isto é, Deus não deixou à igreja nenhum ensinamento doutrinário objetivo que incluísse o “clamor pelo sangue de Jesus” como condição para acessar a sua presença ou para que nossas orações fossem ouvidas ou para que alguma reunião dos santos fosse considerada aceitável diante dele.

Vejamos, a seguir, como os apóstolos resolveram não impor regras aos gentios que se convertiam a Deus, decidindo apenas recomendar-lhes, de modo claro e objetivo, naquilo que consideraram ser essencial à prática da vida cristã.

19 Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, 20  mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. (…) 28 Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: 29  que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde.” (Atos 15:19-20; 28,29 RA)

E a primeira questão a ser analisada é exatamente esta: houve alguma recomendação sobre a prática do “clamor pelo sangue de Jesus”? Não! Em nenhuma passagem bíblica os apóstolos, em suas cartas às igrejas, ensinaram às igrejas o ritual do clamor pelo sangue de Jesus como algo essencial a qualquer oração dirigida a Deus.

Ora, bem sabemos que há uma variedade de textos neotestamentários que nos mostram que pelo sangue de Jesus derramado no calvário (seu sacrifício vicário), Deus nos proporcionou, e ainda nos proporciona, remissão de pecados e redenção (Ef. 1:7; 1Pe 1:18-19 – Ap 1:5), purificação (Rm 3:25; 9:22; 1Jo 1:7; Hb 9:22), justificação (Rm 5:9) e reconciliação (Cl 1:20 – Ef 2:13).

Sim, isso é um fato e as considerações sobre a importância do sangue de Jesus já foram estabelecidas neste estudo. Mas, o que devemos notar agora é que, a despeito da importância do sacrifício de Jesus e do seu sangue derramado, nada há na bíblia que indique que se deva incluir uma frase de “clamor pelo sangue de Jesus” em nossas orações. Também, em nenhuma das passagens referidas há respaldo para se estabelecer uma “doutrina” que condicione o recebimento das dádivas listadas a um clamor solene antes de cultos, reuniões ou orações.

Quando o apóstolo Paulo ensinou a igreja de Corinto sobre dons espirituais e sobre a organização de reuniões da comunidade cristã, não mencionou a necessidade de se clamar pelo sangue de Jesus, nem para tratar com dons espirituais nem como condição para o início das reuniões.

12 Assim, também vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja. 13  Pelo que, o que fala em outra língua deve orar para que a possa interpretar. 14  Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera. 15 Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente.” (1 Coríntios 14:12-15 RA)

26 Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação. 27 No caso de alguém falar em outra língua, que não sejam mais do que dois ou quando muito três, e isto sucessivamente, e haja quem interprete. 28  Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus. 29  Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. 30  Se, porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro. 31  Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados. 32  Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas; 33  porque Deus não é de confusão, e sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos,” (1 Coríntios 14:26-33 RA)

Ora, será que Deus deixaria de fora do nosso manual (a bíblia) algo imprescindível à nossa prática cristã? Será que Deus teria prazer em esconder de seus santos servos um preceito indispensável para o desenvolvimento da comunhão deles com o Pai?

Apenas a título de comparação, no que é essencial à oração, Jesus não nos deixou sem instrução. Fomos devidamente orientados que nossas petições a Deus deveriam ser feitas em Seu nome. Neste caso, a expressão nos foi objetivamente ensinada para ser utilizada quando nos achegássemos a Deus para lhe apresentar nossas petições. Jesus fez isso porque considerou este ato de fundamental importância e que não deveria ser deixado de fora da prática cristã.

 “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.” (João 15:16 RA)

 “Naquele dia, nada me perguntareis. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome.” (João 16:23 RA)

Com base na afirmação de que o indispensável à prática cristã deveria estar registrado de modo claro e objetivo na bíblia, importa esclarecer que os erros cometidos por quem gosta de inserir novidades na prática da vida cristã não serve de justificativa para que aceitemos a inclusão do “clamor pelo sangue de Jesus” como uma doutrina bíblica. O erro de uns não justifica o de outros.

Portanto, concluímos neste tópico que, se um ensinamento não está registrado na bíblia, é porque não é indispensável à prática cristã.

Deus se revela aos seus discípulos e não os deixa sem instrução

Podemos começar este ponto fazendo uma pergunta: Deus ocultou seus mistérios aos seus discípulos ou aos incrédulos?

O Novo Testamento responde essa indagação. O próprio Senhor Jesus declarou que quando falava por parábolas estava dificultando o entendimento dos mistérios do Reino de Deus aos incrédulos, aos fariseus e aos demais doutores da Lei que não criam que Ele era o filho de Deus, pois esses eram indiferentes ou queriam matá-lo.

Mas, a seus discípulos, que tinham interesse em segui-lo, Jesus se revelava em particular deixando clara sua mensagem para que pudessem compreendê-la e praticá-la, como podemos observar nos exemplos a seguir.

“10 Então, se aproximaram os discípulos e lhe perguntaram: Por que lhes falas por parábolas? 11 Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido.” (Mateus 13:10-11 RA)

10 Quando Jesus ficou só, os que estavam junto dele com os doze o interrogaram a respeito das parábolas. 11  Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas,” (Marcos 4:10-11 RA)

Então, despedindo as multidões, foi Jesus para casa. E, chegando-se a ele os seus discípulos, disseram: Explica-nos a parábola do joio do campo.” (Mateus 13:36 RA)

Observe, agora, com quem Jesus estava tratando e a quem estava se dirigindo quando disse algumas coisas que as pessoas não entenderam.

18 Perguntaram-lhe, pois, os judeus: Que sinal nos mostras, para fazeres estas coisas? 19  Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei. 20  Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás? 21  Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo. 22  Quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus.” (João 2:18-22 RA)

3  A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. 4  Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?” (João 3:3-4 RA)

Lendo Mateus, do capítulo 5 ao 7, é possível notar a clareza de Jesus quando estava ensinando seus discípulos sobre a essência daquilo que devemos ser e fazer, chegando, inclusive, a dar um exemplo de como se deve orar (Mt 6:5-13) afastando a hipocrisia formalística dos fariseus. Observemos a quem o sermão do monte estava sendo dirigido: aos seus discípulos.

1 Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; 2  e ele passou a ensiná-los, dizendo:” (Mateus 5:1-2 RA)

É claro que podemos argumentar que Jesus não ensinaria a clamar pelo seu sangue se Ele ainda estava vivo. Sim, mas mesmo depois de ressurreto, quando seu sangue já havia sido derramado, ele também não ensinou isso aos seus discípulos conforme já vimos anteriormente.

Mas, outra pergunta também pode ser feita: será que após a morte de Jesus, o Espírito Santo de Deus teria revelado o “mistério do clamor ritualístico pelo sangue de Jesus” aos discípulos?

Se revelou, por que eles esconderiam isso de nós ou nos deixaria isso em códigos para que tivéssemos que decifrar, se eles mesmos foram tratados de um modo diferente por Jesus?

Lembrando de Paulo, é bom que se diga que ele ficou três anos se fortalecendo e aprendendo com os discípulos antes de iniciar seu ministério junto aos gentios (Gl 1:15-18) e quando começou a escrever às igrejas nada falou sobre a necessidade de se clamar pelo sangue de Jesus para se iniciar uma reunião.

Ora, bem sabemos que Deus oculta seus ensinos dos sábios e entendidos deste mundo, que o querem decifrá-los por seus próprios métodos científicos e racionais, sem se sujeitarem à sua palavra, mas com os pequeninos o Senhor não age dessa maneira. Antes, revela-se, senão vejamos:

Naquela hora, exultou Jesus no Espírito Santo e exclamou: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos (discípulos). Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.” (Lucas 10:21 RA)

Portanto, podemos concluir que o novo testamento nos apresenta um Deus que tem prazer em se revelar aos seus servos e em ensiná-los, independentemente da capacidade intelectual ou da condição social de cada um. Por isso, não é razoável pensar que Deus esconderia uma importante doutrina bíblica da sua amada igreja por séculos, reservando-a justamente para um grupo que têm dificuldades de comunhão com os demais membros do corpo de Cristo.

A história da igreja prova a desnecessidade do clamor

Por último, a história da igreja, desde a sua instituição nos mostra que a ausência formal do “clamor pelo sangue de Jesus” nunca impediu a manifestação de Deus ou a presença de Jesus no meio de seu povo para comunhão, visitação e revelação.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que o próprio Jesus disse que estaria presente em nosso meio pelo simples fato de estarmos reunidos em seu nome, sem apresentar nenhuma outra condição.

Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.” (Mateus 18:20 RA)

Quando Pedro, por revelação, foi enviado à casa de Cornélio testificou que as orações desse homem subiam a Deus. É bom lembrar que Cornélio ainda não conhecia a Jesus, por isso sua oração não foi precedida pelo clamor pelo sangue de Jesus. Mas mesmo assim foi ouvida por Deus. Ora, Cornélio acessou o santíssimo lugar, pois o véu já estava rasgado e o seu coração era sincero.

e disse: Cornélio, a tua oração foi ouvida, e as tuas esmolas, lembradas na presença de Deus.” (Atos 10:31 RA)

Quanto à igreja primitiva, não há qualquer registro bíblico ou histórico que indique que nossos irmãos tivessem uma prática parecida com o “clamor pelo sangue de Jesus” para iniciar uma reunião ou mesmo uma oração.

De igual modo, é bom notar que os manuais de história da igreja também não relatam que a igreja, em seus quase dois mil anos de existência (período anterior ao surgimento da Igreja Cristã Maranata) tenha desenvolvido a prática do clamor pelo sangue de Jesus. Mesmo retirando desse contexto o período das trevas pelo qual a igreja passou, temos centenas de anos em que a igreja desfrutou de intimidade, salvação, revelação de Deus, amadurecimento, reavivamentos etc. sem que haja notícia de uma prática dessa natureza.

Ora, por que será que nem no período da igreja primitiva, nem nos períodos de grandes avivamentos da igreja, nunca se sentiu falta do “clamor pelo sangue de Jesus” para que Deus se fizesse presente em uma reunião ou mesmo para que ouvisse uma oração? Por que hoje isso seria essencial?

Portanto, a conclusão deste último ponto é que nós nem mesmo seríamos servos de Deus hoje se a igreja que nos precedeu, desde o princípio, não tivesse alcançado o favor, a graça, o amor e a revelação de Deus, tendo trabalhado pela expansão do evangelho. Uma história de, aproximadamente, dois mil anos deve ser suficiente, no mínimo, para nos mostrar que Deus nunca deixou de operar em sua igreja, mesmo não existindo por todos esses anos o ritual do clamor pelo sangue de Jesus para iniciar uma reunião ou uma oração.

Considerações finais

De todo o exposto, concluímos que a prática de se “clamar pelo sangue de Jesus” para validar uma oração não pode ser considerada uma doutrina bíblica.

Entretanto, tal prática não traz qualquer prejuízo à oração, não a invalida e não a faz melhor ou pior, uma vez que Deus está observando o coração e a sinceridade do homem que se dirige a Ele. O equívoco, então, está apenas em se exigir esse procedimento ritualístico para validar uma oração, o que se caracteriza uma heresia, visto que a bíblia não faz tal exigência e não introduziu essa prática como doutrina a ser observada pela igreja.

Heresia atrai heresia, tal como um abismo chama outro abismo (Sl 42:7). Quando nos lançamos à prática de alguma heresia, nos tornamos vulneráveis a várias outras.

É verdade que todas as pessoas acostumadas a “clamar pelo sangue de Jesus” antes de suas orações poderão contar algumas experiências pessoais e nós cremos em todas elas. Afinal, não se deve questionar a experiência pessoal de ninguém.

Contudo, é muito importante que se saiba que nenhuma experiência pessoal pode substituir a palavra de Deus. Se Deus disse claramente que é assim… assim é – não há o que acrescentar nem retirar. Mas, se Deus nunca disse que é assim, ficamos lançados à sorte e corremos o risco de sermos alvo da manipulação da nossa própria mente, da mente de outros homens e do Diabo.

A única segurança que temos no mundo espiritual é andar exatamente como nos ensina a palavra de Deus – “sem tirar nem por”, a exemplo do que Deus disse a respeito do livro do apocalipse:

18  Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; 19  e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro. 20 Aquele que dá testemunho destas coisas diz: Certamente, venho sem demora. Amém! Vem, Senhor Jesus! 21  A graça do Senhor Jesus seja com todos.” (Apocalipse 22:18-21 RA)

Como vimos, é muito arriscado andarmos praticando doutrinas acrescidas à palavra de Deus ou abraçando distorções de textos bíblicos para adequá-lo às nossas próprias práticas. Essa é a fonte de todas as heresias até hoje noticiadas e que se utilizam da bíblia como referência. Se há alguém que tem grande interesse no erro e na destruição do crente, não é Deus.

“O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos.” (Oséias 4:6 RA)

Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus.” (Mateus 22:29 RA)

Se em qualquer das cartas de Paulo ou de outro apóstolo, dirigida à igreja, tivesse sido registrado algo parecido com: “clamai pelo sangue de Jesus ao iniciar qualquer reunião”, nós seríamos os primeiros a defender essa prática.

Mas, como não existe nenhum texto bíblico, nem parecido com o que referimos, fica o alerta de Paulo:

8 Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. 9  Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.” (Gálatas 1:8-9 RA)

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.