IGREJA MARANATA: DA FÉ À FRAUDE!
DÍZIMO DESVIADO EM FRAUDE MILIONÁRIA
Um esquema de corrupção para desviar recursos provenientes do recolhimento do dízimo foi montado na cúpula da Igreja Cristã Maranata, com o envolvimento de pastores, diáconos e até fornecedores. A ação, identificada em uma investigação da própria instituição, foi parar na Justiça. Nela, aparece o nome do vice-presidente, Antônio Ângelo Pereira dos Santos. Estimativas iniciais da igreja indicam que o rombo é de, no mínimo, R$ 21 milhões. Mas a ação protocolada na Justiça pede o ressarcimento de R$ 2,1 milhões.
A diretoria da Maranata diz que a situação é grave e que já adotou as providências contra as irregularidades que vinham sendo praticadas. Uma delas foi afastar três pastores e um diácono das funções administrativas e religiosas.
O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual. Em nota, o MP adiantou que os documentos exigem melhor apuração, mas apontam para várias irregularidades e crimes. Diz ainda que, se aproveitando da isenção de tributos que as igrejas possuem e da boa-fé dos fiéis, pastores estariam usando bens da igreja em benefício próprio. A lista de prováveis crimes praticados inclui desvio de recursos para o exterior, criação de empresa irregular, contrabando, fraudes ao Fisco e ao sistema financeiro.
DERRAME
Cerca de 5 mil templos no Brasil são administrados pelo presbitério da igreja, em Vila Velha, que concentra o dízimo doado no país. O dinheiro foi desviado desse caixa único. A igreja não informa quanto arrecada, mas sabe-se que é a segunda em número de evangélicos no Estado e uma das que mais crescem no país.
O golpe era viabilizado por notas fiscais frias, que permitiam a retirada de valores do caixa da igreja. Segundo documentos obtidos por A GAZETA, as notas eram emitidas por fornecedores do Presbitério daMaranata. Há indícios de que empresas foram criadas – em nome de laranjas – somente para essa finalidade.
O dinheiro desviado era destinado a um grupo de pastores. Além do nome do vice-presidente, as investigações chegaram ao do contador da Maranata, Leonardo Meirelles de Alvarenga. Eles foram denunciados na ação judicial aberta pela igreja. Há indícios de participação de mais pastores e funcionários. Nas apurações, envolvidos afirmaram que o dinheiro serviria para “ajudar irmãos no exterior”.
As informações fazem parte de investigação interna da igreja, que orientou uma auditoria externa, cuja análise preliminar confirma as irregularidades. “Elementos obtidos (…) são contundentes quanto à ocorrência de fraudes e desvios perpetrados pelo vice-presidente e o contador”, diz trecho do relatório da auditoria citado na ação judicial.
Parte dos recursos desviados era usada na compra de carros e imóveis e no pagamento de contas pessoais. “Por várias vezes fui orientado a depositar valores na conta do Antônio Ângelo para pagamento de cartão de crédito, prestação de veículos, condomínios, compras de equipamentos”, diz um funcionário ouvido na investigação.
Outra parte dos recursos era investida na compra de dólares, diz um empresário no mesmo relatório: “O valor era depositado nas contas das minhas empresas.
No mesmo dia, eu comprava os dólares e os entregava no presbitério”. Os dólares eram levados para o exterior nas malas de fiéis.
DESTRUIÇÃO
Para evitar que a prática dos crimes fosse descoberta, funcionários foram orientados a destruir cópias de recibos. “Fui orientado pelo Antônio Ângelo e pelo Leonardo a destruir todos os documentos, recibos e depósitos que não passavam pelo caixa central do presbitério para não cair em nenhum tipo de fiscalização”, relata um funcionário da igreja.
Há informações de que computadores foram formatados para que os rastros dos desvios fossem destruídos. “Os HDs foram corrompidos. Programas de envio de relatórios fiscais por internet (Receitas Federal e Estadual) foram apagados”, consta num dos documentos. Outro problema detectado são atrasos na contabilidade da igreja há pelo menos quatro anos.
Um dos braços da corrupção encontrada na direção da Igreja Maranata diz respeito à compra irregular de equipamentos eletrônicos. O material se destinava à montagem de um sistema de videoconferência para interligar os templos no Brasil e no exterior.
Boa parte do material foi trazida ao país de forma irregular, segundo declarações que constam na investigação interna feita pela igreja e em documentos obtidos com exclusividade por A GAZETA.
Os depoimentos revelam que os equipamentos eram comprados fora do país e trazidos clandestinamente na mala dos fiéis. Em algumas ocasiões, os produtos vinham de Miami (EUA) para o Brasil. Em outras, eram comprados no Paraguai, levados para Curitiba, Paraná, e, em seguida, trazidos para Vitória.
Vários documentos mostram o reflexo dessa movimentação no caixa do Presbitério da Maranata – responsável pela administração de todos os templos no Brasil –, que autorizava o pagamento dos fornecedores. Em seguida, os valores eram depositados nas contas correntes de quem fazia as compras.
AÇÃO
A ação ajuizada pela Maranata contra o vice-presidente e o contador Leonardo Alvarenga, cujas investigações da própria igreja e a auditoria por ela contratada apontam como sendo autores dos desvios, está nas mãos do juiz Robson Albanez, da 8ª Vara Cível de Vitória. O magistrado é um dos denunciados na Operação Naufrágio, que apura venda de sentenças no Poder Judiciário.
O documento foi protocolado dia 20 de janeiro, uma sexta-feira, e na segunda-feira o juiz, atendendo a um pedido da própria Maranata, decretou segredo de Justiça na tramitação do processo.
RACHA
A insatisfação como esquema de corrupção identificado na Igreja Maranata tem sido assunto frequente em blogs e redes sociais desde o fim do ano passado. Vários membros da igreja – muitos deles de forma anônima – começaram a divulgar sua insatisfação com a situação.
Parte dos relatórios de investigação da própria Maranata chegou a vazar na internet, o que levou a igreja a divulgar informativos oficiais em suas unidades sobre as providências que estavam sendo adotadas.
A medida, no entanto, não foi suficiente para um grupo de fiéis e pastores que, insatisfeito, deixou a instituição. A justificativa apontada é que, diante das denúncias, os cultos estavam perdendo o seu sentido espiritual.
A afirmação é de Leonardo Lamego Schuler, ex-maranata e advogado do grupo que apresentou denúncias em vários órgãos pedindo investigação. “Nós nos sentimos constrangidos e insatisfeitos com a falta de informações sobre o que se passava dentro da igreja”, assinalou.
Ele critica ainda as providências já adotadas pela Maranata. Schuler assinala que elas foram tardias e sem transparência.
“É um mero paliativo. Há algo maior do que o que se aponta no processo.” Ele e dezenas de outros fiéis já fundaram uma nova igreja na Enseada do Suá, em Vitória. A nova denominação leva o nome de Igreja Cristã Louvai.
“A situação é grave, muito grave.” A avaliação foi feita por Sérgio Carlos de Souza, advogado da Igreja Cristã Maranata – onde também atua como pastor – ao se referir ao esquema de corrupção montado na cúpula da instituição. Ao mesmo tempo, se diz tranquilo por ter a certeza de que todas as providências estão sendo adotadas para preservar a igreja e ressarcir os prejuízos ocasionados pelo desvio.
Souza relatou que, em setembro passado, a igreja recebeu denúncias de que irregularidades estavam sendo cometidas na administração do Presbitério, em Vila Velha. “Imediatamente, por ordem do presidente, Gedelti Gueiros, foi criada uma comissão para investigar as denúncias.”
AFASTAMENTO
Foi essa comissão que identificou que, no mínimo, estava ocorrendo uma gestão muito ruim das finanças da Maranata, relata o advogado. Foi a mesma equipe que sugeriu o afastamento de três pastores – um deles o vice-presidente, Antônio Ângelo Pereira dos Santos – e do diácono que também ocupava a função de contador da igreja, Leonardo Meirelles de Alvarenga.
Após ouvir empresários que prestavam serviços para o Presbitério, pastores e até funcionários, a comissão de investigação apontou a necessidade da contratação de uma auditoria externa. “Somente parte do trabalho foi concluída”, acrescenta Sérgio.
Com base nesse relatório preliminar, a igreja protocolou na Justiça uma ação pedindo o ressarcimento de danos, no valor de R$ 2,1 milhões. O advogado adiantou que, surgindo novas provas, a instituição não se furtará em adotar novas medidas judiciais.
Além das funções administrativas, Antônio Ângelo e Leonardo também foram afastados definitivamente das funções que exerciam na igreja como pastor e diácono, respectivamente.
“Eles podem frequentar os cultos por serem cerimônias públicas”, explicou o advogado da igreja.
ISENÇÃO
Sérgio garante que o presidente da Maranata não teve nenhum envolvimento com o esquema de corrupção. E mais: ele só tomou conhecimento da situação ao receber as denúncias.
“O presidente cuida exclusivamente da orientação doutrinária e da parte espiritual. Existem pessoas para cuidar dos outros setores”, afirmou.
O advogado disse, ainda, que todos os fiéis foram comunicados das medidas que estão sendo adotadas por intermédio de uma circular divulgada nas igrejas. A igreja garante ainda que desconhece qualquer irregularidade na compra dos equipamentos destinados ao sistema de videoconferência.
“Noventa e cinco por cento do material foi comprado no Brasil. Só equipamentos dos estúdios foram trazidos do exterior”, pontuou Sérgio. Ele acrescenta que a direção da Maranata solicitou à Receita Federal e ao Ministério Público Estadual que investigassem todas as denúncias.
ACUSADOS
O vice-presidente Antônio Ângelo e o contador Leonardo foram procurados por A GAZETA e decidiram não falar sobre o assunto. Leonardo disse, em nota, que só vai se manifestar na Justiça. Já Antônio Ângelo afirma que quem tem que responder por ele é a igreja e não quis informar o nome do seu advogado.