Anonimato e Internet
Com o advento das redes sociais, as possibilidades de relacionamentos entre pessoas foram ampliadas. As facilidades de contato entre indivíduos, mesmo distantes fisicamente, sem dúvida, tem rompido barreiras.
Isso é bom? Sem dúvida! O homem é um ser social por natureza. Deus, ao cria-lo, disse: “não é bom que esteja só” (Gn 2:18). A socialização é, portanto, divina. Desde sua gênese o homem vive em comunidades, rodeados por pessoas. Família, parentes, colegas de trabalho, de escola, de festa, de esporte, vizinhos, amigos, amigos de amigos, conhecidos, e até mesmo pessoas que só conhecemos virtualmente.
Mas, quando dizemos que relacionamentos sociais são bons, evidentemente estamos nos referindo a relacionamentos de qualidade. Isso não significa que não haja diferenças. Até mesmo os enfrentamento de ideias, gostos, opiniões, credos e culturas diferentes são saudáveis e necessários ao amadurecimento de um relacionamento, desde que haja respeito mútuo.
A propósito do crescente movimento de relações interpessoais virtuais e das incertezas que permeiam esses relacionamentos, que se desenvolvem por trás de computadores, tablets e smartphones, iremos abordar neste artigo a questão do anonimato sob o ponto de vista bíblico, para saber até que ponto a tecnologia social tem sido benéfica àqueles que professam a fé cristã.
Luz e trevas
Antes de falarmos do anonimato, propriamente dito, é bom sabermos que Deus é luz, que Jesus é a luz do mundo e que seus discípulos também são luz.
“5 Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma.” (1 João 1:5)
“12 De novo, lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida.” (João 8:12)
“14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte;” (Mateus 5:14)
Do lado oposto estão as trevas, identificadas como império de Satanás, cujas obras são más e se manifestam tanto exteriormente como interiormente, quando a maldade está apenas nos corações.
“13 Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor,” (Colossenses 1:13)
“11 E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as.” (Efésios 5:11)
“5 Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu louvor da parte de Deus. “ (1 Coríntios 4:5)
A razão dessa identificação das coisas divinas com a luz e das obras perversas com as trevas é porque desde o princípio da criação, Deus fez separação entre luz e trevas. Também, disse que não haveria comunicação entre luz e trevas, assim como as obras dos filhos da luz não poderiam se comunicar com as obras malignas de Satanás:
“4 E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas.” (Gênesis 1:4)
“14 Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? 15 Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo?” (2 Coríntios 6:14-15)
“6 Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.” (1 João 1:6)
Pois bem, que isso fique bem claro: luz e trevas não se comunicam. Tudo o que se relaciona a Deus é luz, transparência e verdade. E tudo o que se relaciona a Satanás é escuridão, onde as coisas não são claras, não são identificáveis e não são perceptíveis. Na escuridão todas as coisas ficam ocultas exatamente pela ausência de luz.
Os discípulos de Jesus não podem estar entre aqueles que praticam as obras das trevas. Nesse particular, aplica-se o velho ditado popular: “diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Ora, pelo fruto se conhece a árvore. Quem pratica o bem não precisa se esconder. Quem fala a verdade não tem de que se envergonhar. Somente quem pratica as obras das trevas precisam da escuridão para encobrir suas ações e intenções:
“14 De madrugada se levanta o homicida, mata ao pobre e ao necessitado, e de noite se torna ladrão. 15 Aguardam o crepúsculo os olhos do adúltero; este diz consigo: Ninguém me reconhecerá; e cobre o rosto. 16 Nas trevas minam as casas, de dia se conservam encerrados, nada querem com a luz. 17 Pois a manhã para todos eles é como sombra de morte; mas os terrores da noite lhes são familiares. ” (Jó 24:14-17)
Mas, quem é da luz, do dia, permanece vigilante para que não seja pego de surpresa, pois Jesus vem e naquele grande dia não podemos nos encontrar praticando qualquer obra das trevas:
“4 Mas vós, irmãos, não estais em trevas, para que esse Dia como ladrão vos apanhe de surpresa; 5 porquanto vós todos sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite, nem das trevas. 6 Assim, pois, não durmamos como os demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios. 7 Ora, os que dormem dormem de noite, e os que se embriagam é de noite que se embriagam. 8 Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios, revestindo-nos da couraça da fé e do amor e tomando como capacete a esperança da salvação; 9 porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo,” (1 Tessalonicenses 5:4-9)
Portanto, devemos observar se a nossa vida está realmente na luz ou se ainda há pecados inconfessos e atitudes cuja luz não pode incidir sobre elas.
O que é anonimato?
O temo anonimato deriva do grego ανωνυμία, que significa “sem nome”. Em nossos dicionários é normalmente definido como estado ou característica do que é anônimo, sem nome ou assinatura. A pessoa que age anonimamente é, então, aquela que, por hábito ou procedimento, age sem se identificar.
O anônimo não tem rosto porque não quer ou não pode ser reconhecido. Ele se esconde por necessidade ou por medo. Alguns omitem suas verdadeiras identidades para, paradoxalmente, ter uma vida normal.
O que é um fake (“falso”, em inglês)
No mundo virtual, o anonimato se revela não apenas pela omissão de assinatura, mas pela apresentação de uma identidade falsa. Para que alguém se apresente anonimamente em uma rede social, por exemplo, deve criar contas ou perfis que omitam a sua identidade real. Para isso, é comum usar identidades de famosos, cantores, personagens de filme ou até mesmo outras pessoas anônimas. O perfil criado com esse fim é denominado fake (“falso” em inglês).
Normalmente, o propósito da criação de um fake é a diversão, quando se busca conhecer novas pessoas, debater sobre diversos assuntos ou bisbilhotar sem se expor. Mas, há, também, mentes criminosas e mal intencionadas que utilizam desse mesmo recurso para levar adiante seus propósitos. O fato é que os fakes sentem-se livres para ser quem quiserem. Podem até mesmo adotar uma segunda vida, com uma nova personalidade e um novo visual. Alguns, de tanto apresentarem outra pessoa em seu lugar acabam se prendendo a uma vida falsa, a uma personalidade diferente, totalmente desvinculada da sua verdadeira.
Intencionalmente, ou não, o fake leva uma vida dupla e, em razão disso, fica patologicamente oscilando entre sua personalidade socialmente conhecida e aquela que desenvolveu para o anonimato.
O anonimato e o Marco Civil da Internet
O “Marco Civil da Internet” admite o anonimato, mas não protege o anônimo que violar preceitos da legislação civil ou penal. Este deverá ser revelado pelos detentores de seus dados, caso solicitado por medida judicial.
Mesmo considerando que o anônimo deixará de ser anônimo por ordem judicial, não há como deixar de perceber que a Constituição Brasileira não foi plenamente atendida em seu propósito de evitar o anonimato já no ato da livre expressão. Ora, a mesma Constituição que garante aos cidadãos a liberdade de expressão e o direito à informação veda expressamente o anonimato, nos termos dos seus arts. 5° e 220.
Com o advento do Marco Civil da Internet temos uma questão que certamente ainda será melhor avaliada no futuro. Se, por um lado, a Constituição garante o direito à liberdade de expressão desde que não seja por um ato anônimo, de outro lado temos o “Marco Civil” permitindo o anonimato na prática, o que pode, em alguns casos, frustrar a expectativa do legislador Constituinte.
Porém, não pretendemos avaliar a constitucionalidade do Marco Civil, mas sim o quanto o anonimato pode ser compatível com a palavra de Deus. Se há margem para se alegar a legalidade do disfarce diante dos homens, isso não implica em alteração dos valores e princípios bíblicos, conforme veremos adiante.
Jesus e o anonimato
Ao analisar a vida e a obra de Jesus, não conseguimos imaginar qualquer aprovação ao anonimato. Jesus enfrentou toda a estrutura religiosa farisaica sem se ocultar. Ao contrário, ele era um homem público e podia ser encontrado por todos aqueles que quisessem conhecê-lo.
Por isso, por mais nobres que sejam as razões de um internauta que não quer ser identificado, localizado ou questionado, não acreditamos que Jesus aprovaria uma ação anônima por um de seus discípulos. Afinal, quem tem um comportamento ilibado e está comprometido com a verdade não tem o que temer. Esse foi o exemplo de Jesus, que enfrentava os religiosos de seu tempo sem recuar ou se esconder.
O próprio Jesus ensinou que quem entra sorrateiramente pela brecha, pela janela, escondido ou de modo dissimulado e na escuridão da noite é o ladrão. O pastor entra pela porta. Quem gosta de escuridão é o ladrão. Este procura agir nas trevas para não ser identificado, julgado e condenado, caso seja apanhado em sua má obra.
“1 Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. 2 Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. 3 Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora. 4 Depois de fazer sair todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem a voz; 5 mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.” (João 10:1-5 RA)
A injustiça do anonimato
Não é bom quando pensamos que estamos falando com uma pessoa e, na verdade, não sabemos com quem estamos conversando. Ainda que o anônimo não esteja mal intencionado ou agressivo, ninguém gosta de ser enganado.
No caso dos que ofendem, difamam ou importunam outras pessoas anonimamente, há o agravante da injustiça, pois o ofendido não sabe contra quem está lutando. Discutir com um anônimo é o mesmo que lutar com a “mulher invisível” que, a qualquer momento, pode atacar pelas costas sem que se tenha oportunidade de defesa. Ataques assim, como emboscadas reais, mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima, no direito penal são considerados crimes qualificados, porque a vítima não tem como se defender de seu agressor.
A covardia do anonimato
Outra característica dos anônimos é a covardia. O covarde tem medo de ser reconhecido. Ele teme porque conhece a sua própria fraqueza e não quer ser desmascarado. Pessoas assim não servem para a guerra porque são medrosas.
“Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte.” (Apocalipse 21:8 RA)
O perigo do anonimato
Os anônimos, protegidos pela escuridão, sentem-se encorajados a dizer o que não diriam se as pessoas, principalmente os atacados, soubessem quem são. No anonimato eles se sentem seguros. Na liberdade da escuridão não se preocupam em manter o debate racional e descambam para ataques pessoais, ofensas morais, acusações criminosas, ameaças de toda ordem e, para os sádicos, praticam a tortura psicológica.
Aqueles que se embrenham em discussões, tornam-se pessoas irresponsáveis, pois sentem-se seguros. Eles sabem que não irão responder por suas palavras, acusações, ataques pessoais ou crimes de injúria, calúnia ou difamação. Podem agir como quiserem, pois, além de não serem responsabilizados pelos danos que causarem a terceiros, nunca serão atingidos de volta, até porque o adversário está discutindo com uma pessoa que, na verdade, não existe.
Onde está, então, o perigo?
É verdade que o risco de alguém buscar a identificação judicial de um anônimo ofensor é muito baixo. Mesmo com as tão esperadas regras do “Marco Civil da Internet”, o regulamento para a responsabilidade civil de provedores e usuários a respeito de conteúdo publicado na internet, bem como medidas para preservar e garantir direitos fundamentais do internauta, ainda dependem de medidas judiciais. E como nós bem sabemos, poucas pessoas se animam a tamanho desgaste. Isso porque na maioria das vezes os ofensores não possuem qualquer expressão para merecer confiança ou crédito, além do que movimentar a máquina estatal judiciária custa caro, é moroso e pode ser frustrante.
Para nós, cristãos, discípulos e imitadores de Jesus, o problema é maior. Se um fake ofensor não for identificado pelos homens, certamente o será por Deus.
“Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? — diz o Senhor; porventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o Senhor.” (Jeremias 23:24)
Também, se é possível que um fake ofensor não seja responsabilizado por suas ações diante de um tribunal terreno, certamente não é crível que escape do tribunal eterno. Para quem crê que a bíblia é a palavra de Deus e a mais alta expressão da verdade, não há como fugir disso:
“36 Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo;” (Mateus 12:36)
“Portanto, não os temais; pois nada há encoberto, que não venha a ser revelado; nem oculto, que não venha a ser conhecido.” (Mateus 10:26)
Mas, o problema não é só para aqueles anônimos que se valem dessa condição para proferir ofensas. O simples fato de se falsear a verdade já é um ato condenável por Deus. Até mesmo aparentar ser o que não se é foi motivo de dura reprimenda de Jesus. Os fariseus que por trás de roupas brancas escondiam uma personalidade diferente foram chamados de hipócritas, ou seja, mascarados.
O temo hipócrita vem do grego e servia para qualificar o ato artístico de representar um papel teatral. Por isso, essa palavra era utilizada para identificar um ator ou uma atriz. No sentido em que estamos acostumados, refere-se a uma pessoa falsa, fingida, que faz coisas que na verdade não faria em outra situação. Hipócrita, portanto, é a pessoa que age como outra e, assim, não é alguém confiável. Uma pessoa hipócrita é aquela que finge ser o que não é, finge ter algo que não tem, seja por motivos religiosos, morais, sociais ou até mesmo para melhorar a sua própria autoestima.
Enfim, hipócrita é uma pessoa dissimulada, na qual não se pode confiar, pois suas verdadeiras intensões são ocultas. Por essa razão, Jesus repreendeu severamente os fariseus, senão vejamos:
“25 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança! 26 Fariseu cego, limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo! 27 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia! 28 Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. (…) 33 Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?“ (Mateus 23:25-28; 33)
Eis, portanto, o verdadeiro perigo do anonimato. Se homens não nos veem e não conseguem nos julgar por nossos atos, Deus tudo vê (Mt 10:26) e nos garante que a injustiça não prevalecerá (Dt 32:4). Se os homens não se importam com aqueles que dizem ser quem não são, Deus se importa (2Co 13:5-8). Se os homens não condenam quem não diz a verdade sobre si mesmo, Deus condena (Ap 22:15). Se os homens acham que falsear a verdade por questões pessoais é um ato aceitável, Deus nos diz que o “sim é sim” e que o “não é não” e o que passa disso procede de Satanás (Mt 5:37).
Se não praticamos os ensinamentos de Jesus, nossa casa está edificada sobre a areia, nossa religião é vã e toda a nossa experiência espiritual deve ser questionada.
Conclusão
Essas observações são apenas uma provocação para que cada leitor faça uma avaliação sobre as atitudes certas a tomar ao longo da sua vida cristã. Se somos discípulos de Cristo, não devemos admitir em nossas vidas comportamentos próprios de quem vive nas trevas.
Ora, o anonimato, como tentamos demonstrar, é uma atitude que esconde a pessoa que se manifesta atrás de uma máscara hipócrita, ocultando sua face e suas intenções.
Quem está na luz vive e defende a verdade sem precisar dissimular. Toda dissimulação dirigida ao próximo é injusta e covarde e quem assim procede corre grande risco, não de ser descoberto e condenado por homens, mas por Deus.
Pense nisso!